Uma analítica existencial atenta revela a presença de duas curvas na existência humana: a curva do homem-corpo e a curva do homem-alma-espírito.
A curva do homem-corpo obedece a esse percurso: nasce, cresce, madura, envelhece e morre. A morte não vem de fora mas se processo dentro da vida como perda progressiva da força vital.
A outra curva do homem-alma-espírito segue um percurso inverso. Nasce, começa como um pequeno sinal e desabrocha, realiza virtualidades como falar, relacionar-se, amar... vai nascendo mais e mais até acabar de nascer.
Mas quando acaba de nascer? Quando as duas curvas existenciais se cruzam. Nesse cruzamento ocorre a morte real.
O que significa a morte? Para o homem-corpo representa o termo de uma caminhada por esse mundo espácio-temporal. Para o homem-alma-espírito, a possibilidade de uma plena realização de seus dinamismos latentes que não conseguiam irromper devido aos condicionamentos do tempo e do espaço. A morte do homem-corpo tem a função de fazer cair todas as barreiras. E assim o homem-alma-espírito se liberta de todas as amarras e seu impulso interior pode realizar-se segundo a lógica infinita. A inteligência que via no claro-escuro, agora vê em plena luz; a vontade que se sentir condicionada, agora irrompe para a comunhão imediata com o objeto do desejo; o cuidado essencial que se exercia em ambigüidades, agora encontra sua plena autenticidade; o corpo que nos permitia comunhão e afastamento dos outros, é sentido agora como expressão plena de nossa união com a totalidade do cosmos.
Na morte se dá, então, o verdadeiro nascimento do ser humano. Ele implode e explode para dentro de sua plena identidade. O cristianismo chama a esse momento de absoluta realização de ressurreição. Ressurreição é muito mais que reanimar um cadáver e voltar à vida anterior. Ressurreição é a plena concretização das virtualidades presentes no ser humano. Os apóstolos testemunharam que tal evento bem-aventurado se realizou em Jesus de
Nazaré no momento de sua morte na cruz. Por isso é apresentado como o "Adão novíssimo" (1 Cor 15,45), a nova criatura que tocou o final dos tempos. Ele é o símbolo real de que o ser humano pode nascer definitivamente.
Nesta perspectiva não vivemos para morrer. Morremos para ressuscitar, para viver mais e melhor. A morte significa a metamorfose para esse novo modo de ser em plenitude. Ao morrer, o ser humano deixa para trás de si um cadáver. É como um casulo que continha a crisálida. Cai o casulo e irrompe radiante borboleta, a vida em sua identidade inteira. E a ressurreição já na morte.
O sentido que damos à vida depende do sentido que damos a morte. Se a morte é fim-derradeiro, então de pouco valem tantas lutas, empenho e sacrifício. Mas se a morte é fim-meta-alcançada, então significa um peregrinar para a fonte. Ela pertence à vida e representa o modo sábio que a própria vida encontrou para chegar a uma plenitude negada neste universo demasiadamente pequeno para seu impulso e demasiadamente estreito para sua ânsia de infinito. Somente o Infinito pode saciar uma sede infinita.
Cuidar de nossa grande travessia é internalizar uma compreensão esperançosa da morte. E cultivar nosso desejo do Infinito, impedindo que ele se identifique com objetos finitos. É meditar, contemplar e amar o Infinito como o nosso verdadeiro Objeto do desejo. É acreditar que ao morrer cairemos em seus braços para o abraço sem fim e para a comunhão infinita e eterna. Enfim é realizar a experiência dos místicos: a vida amada no Amado transformada.
(Leonardo Boff)
Fonte: www.dhnet.org.br

Nenhum comentário:
Postar um comentário